segunda-feira, 25 de maio de 2009

Com base nas minhas visitas constantes à cidade do Farol da Barra, há tempos sentia vontade de escrever algo sobre a singular produção local das tevês de Salvador. Sempre fiquei abismada com os programas que são líderes de audiência lá. Bom, recomendo ver alguns vídeos antes de ler o texto – ou depois, se você não tiver tanto estômago. Eles estão linkados depois do texto.

O sistema é bruto

Desde o começo do ano, desenvolveu-se uma sucessão de ações entre o Ministério Público da Bahia, que decidiu finalmente tomar providências sobre o conteúdo de um programa policial veiculado na hora do almoço, o ‘Na Mira’. A atração, veiculada pela TV Aratu – afiliada do SBT em Salvador, envolve uma hora de matérias sobre os acontecimentos policiais na metrópole, cujo tom vai muito além do mau gosto do ‘Cidade Alerta’. Como se não bastasse, veicula imagens de violência física, sexual e mental em plena luz do dia – falha que justificou o pedido da Justiça para tira-la do ar.

Como já era de se esperar, em abril último a Justiça decidiu por manter o programa com algumas modificações. Entenda-se por modificações o uso de mosaicos no rosto de pessoas envolvidas nos crimes. Sanções pequenas perto das consequências trazidas pelo conteúdo da atração. Sabe-se porque há um grande interesse em manter atrações desse gênero. Vamos aos fatos então. Em Salvador, há cerca de quatro noticiários policiais, produzidos como programas locais pelas regionais das TVs abertas. Em todos os casos, há uma profunda confusão entre realidade e espetáculo. São mostradas sem pudor tomadas de 5 minutos que vão de batidas policiais a - pasmem – prisão em flagrante no motel.

Sem contar com um gênero de repórter proliferado por eles: os de porta-de-cadeia. Os bravos ‘paladinos da verdade’ que visitam delegacias e enfiam a câmera na cara do primeiro suspeito que aparece para ser detido. As perguntas são sempre as mesmas – “Por que você cometeu esse crime? Por que matou fulano? Como essa droga foi parar na sua casa?”. A partir desse momento, o detido torna-se o suspeito número um. E segundo o argumento desses repórteres, eles estão ali para darem o ‘direito de esses cidadãos se defenderem das acusações’.

O caro leitor que não conhece ou nunca tinha ouvido a respeito dos programas ‘caçadores de presunto’ pode estar imaginando que estes são atrações de apelo extremamente popular. Sim – e não. Surpreendentemente, as camadas mais baixas da população vêem nesses programas um canal de comunicação com o resto do mundo que parece ignorá-los. E não, porque as camadas médias da população – mesmo aquelas que têm acesso a outras opções de informação – dão audiência aos programas e muito, mas muito reconhecimento aos apresentadores. Some a isso a cúpula de marajás que controla as TVs afiliadas na cidade, que não têm interesse nenhum em proporcionar meios de melhora da preparação cultural dos populares. Pronto, aí está o melhor retrato da desigualdade e estagnação social da capital mais racista do país.

A temática dessas atrações – vamos dar nomes aos bois: ‘Na Mira’, ‘Se Liga Bocão’, ‘Balanço Geral’ e ‘Que Venha o Povo’ – amplia ainda mais a sensação de insegurança que amedronta os cidadãos da Grande Salvador. As estatísticas de violência não podem negar o aumento assustador da criminalidade na região. Entretanto, os cenários das reportagens dificilmente saem da região da periferia e do centro velho de Salvador. O que contribui para o processo cada vez mais grave de segregação da cidade. Parecido com o processo que se deu na formação da cidade.
Mas agora, ao invés de Cidade Alta e Cidade Baixa, aparecem os guetos e os novos centros. A classe média e a elite ascendente veem graça no modo escrachado como os apresentadores recortam as mazelas sociais, mas sentem cada vez mais a obrigação de se afastar do perigo que mora nos guetos, nos ônibus, nas favelas, segura as cordas dos blocos carnavalescos milionários...

E o formato da edição dos programas ratifica ainda mais essa situação. No programa ‘Na Mira”, por exemplo, existe uma vinheta com um homem gritando “Socorro, eu não quero morrer!” a cada vez que aparece uma cena de violência em um lugar na linha de fogo. E os conceituados apresentadores – nomes pomposos como Raimundo Varela, Uziel Bueno e José Eduardo – fazem questão de fazer o julgamento do caráter dos infratores ali mesmo. E legitimam, inclusive, ações violentas da Polícia Militar (uma das mais violentas do Brasil).

“O que a gente faz com um animal desses? Tem que prender e deixar se arrepender dos pecados na cadeia! A polícia tá cumprindo o seu papel.” Conversa de velho conservador? Que nada! Afinal, os apresentadores, repórteres, especuladores, enfim, têm um espaço extremamente consolidado – e coniventes – pelo público. E podem apelar o quanto quiserem, porque o público aprova esse misto de show de realidade com ‘jornalismo’. E para quem não gostar, como diz o apresentador Uziel Bueno antes de mostrar um vídeo de mais um defunto produzido pela violência urbana, “que vá ver o programa da Xuxa, onde tudo é bonitinho.”

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para quem acha que estou exagerando (hohoho):

http://www.youtube.com/watch?v=NAamlQkWHXE
http://www.youtube.com/watch?v=JoW0B5-2nyY&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=Y5btv-VoKwc
http://www.youtube.com/watch?v=gw7KyH7-luM&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=8FuQoj0wEoY
http://www.youtube.com/watch?v=fFkXWnNzlXchttp://www.youtube.com/watch?v=TZV33Xt2Bgs&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=8FuQoj0wEoYhttp://www.youtube.com/watch?v=2uwEylpleIc

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Tava demorando


Era uma vez uma pirralha chamada Maisa. Ela nascera para brilhar. Aos sete anos de idade já apresentava programas de TV para outros pirralhos e participava eventualmente de programas de auditório de gente grande. Um dia, ela bateu a cabeça na câmera que a filmava e chorou, muito. Chorou tanto que alguns puderam ver que ali ainda morava uma criança. O Ministério Público, que passa o dia todo vendo TV, resolveu fazer alguma coisa. Acusou a emissora de Maisa, que antes era de um tal de Silvio, de abuso à integridade física e moral. Os pais da pentelha, já cheios de grana, se revoltaram. Afinal, se ela saísse do ar, quem iria comprar o leite das crianças?

terça-feira, 19 de maio de 2009

Sexo ao som de tango

Entra-se no teatro ao som de música de filme de máfia dos anos 50; e senta-se na platéia em meio à fumaça de gelo seco. Tudo isso dá ao espectador uma sensação de estar viajando no tempo, voltando a um passado agora distante, que se mostrará nada mais do que sórdido. Foi com essa impressão que sentei para assistir Viúva, porém honesta, dirigida por Eloísa Vitz.

A dramaturgia é uma das famosas peças de Nelson Rodrigues, auto referida como “uma farsa irresponsável”, e conta a história de JB de Albuquerque Guimarães, o mafioso dono do maior jornal do país. Sua filha, Ivonete, ficou viúva e, a partir de então, decidiu que nunca mais se sentaria. Como, para o pai, viuvez é questão de sexo, este recorre aos especialistas no assunto para solucionar o caso: um psicanalista, uma cocote (cafetina da época) e um otorrinolaringologista – pois ouvido, nariz e garganta tudo têm a ver com o tema. Até o diabo junta-se a essa turma de sábios, já que é impossível fazê-lo resistir ao cheiro de uma viúva.
Representar Nelson Rodrigues sempre traz inúmeras possibilidades (e dificuldades) - seja por seu humor tácito e crítico, seja pela ampla interpretação que as rubricas do texto oferecem. O grupo GATU aproveitou bem essa oportunidade: resolveram explicitar muito do que o texto deixa implícito, o que é bastante perigoso. O exagero pode levar ao desastre, mas não foi o que aconteceu aqui. Aproveitando a referência farsesca, os atores têm a liberdade para caricaturar seus personagens, e o fizeram muito bem.
Com uma preparação corporal digna de nota, mérito de Daniela Rocha Rosa, também atriz do espetáculo, as cenas são entremeadas por passos de tango e carregadas deles. Isso ajuda a dar a conotação sexual que as situações exigem. Aliás, o tempo todo o sexo está latente na peça. É como se as personagens fizessem um enorme esforço para conter-se em todos os momentos. Tipicamente rodriguiano.

Tipicamente rodriguiana é também a crítica a todas as instituições sociais: família, donos do poder, jornalistas, especialistas e, principalmente, críticos teatrais. O crítico teatral nessa peça é representado por um travesti foragido da FEBEM, definido pelo diretor do jornal como “o perfil do maior crítico teatral dos novos tempos”. É compreensível. Em 1957, ano da estréia desse espetáculo, o autor teria recebido críticas duríssimas por sua peça Perdoa-me por me traíres, e resolveu dar o troco.
Na montagem do grupo GATU, o que incomoda é uma interação com a platéia que destoa do restante da peça. É como se incluíssem os espectadores em todas as situações embaraçosas. Isso tira a concentração do que estava ocorrendo anteriormente, descredibiliza tudo o que havia sido falado. Na tentativa de fazer rir a qualquer preço, fazem piadinhas com a platéia que acabam tendo o efeito inverso: a gente até ri, mas não sabe se é da piada ou do esforço para que ela funcione.
Detalhes a parte, é uma ótima adaptação de um clássico do teatro brasileiro, o que por si só já é bastante válido.

Menininhos e Menininhas....

Prognósticos para Roland Garros 2009

O decadente me calou! Federer ganhou de Nadal, no saibro, no último domingo. Eles disputaram a final do Masters 1000 de Madri, num jogo que não lembrou de longe os grande duelos entre o suíço e espanhol nos últimos anos. Após a maratona da semifinal contra Novak Djokovic (4 horas de partida), Nadal se arrastava em quadra, e fazer isso contra Federer não costuma dar certo. O título do número dois do ranking aumenta as expectativas para o Aberto da França (Roland Garros, aquele torneio que o Guga ganhou três vezes), em que o espanhol jamais perdeu uma partida sequer! 2005, 2006, 2007, 2008... Quatro vezes Nadal. No entanto, nunca houve uma edição do Grand Slam do saibro em que os concorrentes mostrassem tantas chances de derrubar a hegemonia do tenista canhoto. Ele será desafiado por 127 tenistas, mas, por falta de tempo, espaço e conhecimento desta que vos fala, destacaremos os três principais desafiantes do “touro de Mallorca”:

Roger Federer, 27 anos, suíço
Confronto direto com Nadal: venceu sete de vinte partidas
Desempenho no saibro: não importa... É o Federer!
Grand Slams na carreira: 13
Por que pode vencer Nadal: quando está inspirado, é difícil segurá-lo.
Por que é difícil vencer Nadal: ele, curiosamente, tem alguma espécie de bloqueio contra o espanhol em jogos importantes. O chororô no Australian Open é um bom exemplo.
Como chega na França: empolgado pela vitória em Madri, o que é perigoso para ele mesmo.

Andy Murray, 21 anos, britânico
Confronto direto com Nadal: venceu duas de nove partidas
Desempenho no saibro: sofrível até o ano passado, atualmente, mediano
Grand Slams na carreira: not a single one...
Por que pode vencer Nadal: Murray tem um estilo de jogo bem parecido com o do espanhol, baseado no físico e na raça, mas tem o saque melhor
Por que é difícil vencer Nadal: chega uma hora em que Murray se cansa e começa a xingar, quebrar raquete, fazer biquinho... Resumindo: perde o foco.
Como chega na França: desanimado pelos maus resultados nos torneios de saibro. Mas, feliz por ter ultrapassado Djokovic no ranking

Novak Djokovic, 21 anos, sérvio
Confronto direto com Nadal: venceu quatro de dezoito partidas
Desempenho no saibro: nunca foi ruim, mas melhorou incrivelmente este ano
Grand Slams na carreira: um Australian Open
Por que pode vencer Nadal: é extramemente habilidoso e ágil, e tem dado dificuldades a Nadal nos últimos meses
Por que é difícil vencer Nadal: desperdiça chances quando não pode. Sem rodeios: amarela.
Como chega na França: um pouco frustrado por morrer várias vezes na praia, mas com grandes chances de chegar à final

Para finalizar, a minha aposta, claro. Enquanto estiver viva, e Roland Garros for no saibro, vou de Nadal.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

O craque na berlinda

"FUTEBOL!", gritou o público quando Mônica Bergamo perguntou ao Fenômeno sobre sua vida pessoal. Hoje, na Sabatina da Folha de S. Paulo com o craque, a colunista do jornal quis saber mais detalhes sobre seu episódio com travestis, e se ele se chateara com a abordagem midiática do caso. 

Nenhum ou pouco desconforto, porém, parece ter atingido Ronaldo. "O jornalista que fala mal da minha vida pessoal tem espaço na mídia, mas o que o público quer mesmo ouvir é a minha versão dos fatos. E o importante é que eu me arrependi", disse. 

Entre outras perguntas espinhosas de Bergamo apareceram: "Você se droga, ou já se drogou?" e "Qual é o valor do seu patrimônio?" Suas intervenções foram recebidas com vaias e reclamações da platéia, praticamente unânime em defender o jogador. 

Além do carisma e da boa articulação verbal, outro motivo mencionado pelo próprio Ronaldo explica seu sucesso com o público. "O Brasil é tão carente de heróis que os jogadores de futebol têm que preencher esse vazio", interpretou. Faça o que fizer, o Fenômeno será sempre idolatrado por ter tal profissão.

Mas se é para ser assim, o Brasil não podia pedir herói maior. Como ressaltou Clóvis Rossi, Ronaldo é o "cara que fez mais gols na história das Copas do Mundo", e o único jogador do mundo a fazer 2 gols numa partida de 2x0 numa final da Copa, segundo Juca Kfouri. Desse ídolo o Brasil perdoa tudo. Até a final do campeonato de 98.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O tenista decadente

O mundo do esporte não acreditava no que acontecia. Roger Federer, visto por muitos como o melhor tenista da história, considerado imbatível, insuperável, gênio, uma lenda, chorou. Chorou copiosamente. Tentou falar diversas vezes, mas engasgava nas próprias lágrimas. Quem estava em volta não sabia o que fazer, se aplaudia, se consolava, e acabaram ficando todos quietos, admirando o "mito" do tênis desabando diante das câmeras, do adversário e de todos que assistiam. Nesse momento, ele confirmou o que se especulava há muito tempo: estava em franca decadência.

Ele chorava, pois havia acabado de perder a final do Aberto da Austrália, um dos mais importantes torneios de tênis, no começo deste ano. Federer já ganhou esse campeonato três vezes, então não eram exatamente pela derrota as suas lágrimas. Ele perdeu para Rafael Nadal, um espanhol de 22 anos muito talentoso, alguém com quem ele já jogara diversas vezes. Portanto, não era um choro de surpresa. Muito pelo contrário, porque Nadal venceu a maioria dos jogos em que enfrentou o tenista suíço. A última vez que haviam se encontrado foi em Londres, em julho de 2008, no torneio de Wimbledon, em uma partida considerada uma das melhores da história do esporte. Essa vitória de Nadal foi sim surpreendente, pois o piso do torneio é a grama, local em que Federer quase nunca perdera em sua carreira, até aquele dia. O suíço saiu de quadra desolado, sem chão, mas esperançoso, porque ainda era o "número 1 do mundo". Menos de um mês depois, ele teve que passar essa "coroa" para o espanhol.

Quando Nadal surgiu, em 2004, arrasador, principalmente no piso do saibro, eu duvidei de que ele seria uma grande oponente à "lenda". Era forte e extremamente concentrado, mas Federer era mais talentoso, igualmente "focado" e forte, e joga tênis com a facilidade com que eu jogo truco. Enquanto o espanhol colecionava todos os títulos na terra batida (ele nunca perdeu um jogo sequer em Roland Garros), Federer reinava na quadra dura e na grama, e não demonstrava muita preocupação com os outros tenistas. Seu maior adversário eram os recordes de Pete Sampras. Os franceses que compareceram à quadra central de Roland Garros em 2008 esperavam uma longa partida, como era comum entre os dois. Mas viram uma humilhante lavada, em que Nadal parecia dar aulas de tênis a um juvenil. O último set teve o placar de 6 x 0. Mas o gênio ainda não se preocupava, pois estavam jogando no saibro, logo depois eles jogariam Wimbledon e o troco seria dado. A final do Grand Slam inglês mostrou que ele não poderia estar mais enganado. Depois daquele dia em Londres, ele continuou chegando a finais e conquistou o Aberto dos EUA, mas o que se via era "apenas" um excelente tenista, o gênio havia morrido na grama londrina.

Após Nadal superá-lo no ranking e abrir enorme vantagem, a última esperança do suíço era a quadra dura australiana. Outra derrota, e não havia espaço para o riso sem graça, para a sua costumeira elegância: o seu semblante era a mais pura tristeza, e uma enorme sensação de impotência. Ele talvez não sabia por que chorava. Ainda mais pela declaração que deu após a final: "Em um quinto set, tudo pode acontecer. Esse é o problema. Nem sempre o melhor jogador vence. É uma questão de momento, às vezes”. Obviamente, ele ainda se achava melhor do que Nadal. Mas não era, não é há muito tempo. Pensando bem, essa frase revela o porquê de sua queda: a incapacidade de admitir que alguém é capaz de superá-lo. O que o espanhol fez após essas três vitórias que citei? Disse que era uma honra poder dividir a quadra com o seu ídolo. Percebeu a diferença?

Claro que Federer ainda é um grande tenista, que pode ganhar muitos outros títulos, inclusive superar os números de Sampras. Todos os tenistas, exceto Nadal, dariam tudo o que têm para estarem em seu lugar, e contarem com seu prestígio. Mas os jornalistas em geral têm pavor de falar que o espanhol tornou-se melhor, e o suíço está em decadência. Para mim, isso é mais que evidente. O decadente tenta negar sua queda como pode, procura desculpas para suas derrotas, seu orgulho o cega a ponto de achar que a vitória do outro se deve apenas aos seus próprios erros. Federer nunca foi deselegante, mas tampouco tentou adaptar seu jogo às novas circunstâncias, esperando a queda de seus oponentes. Agora é tarde demais. Enquanto isso, o outro campeão trabalha, quieto, humilde, a cada dia calando os que duvidaram de sua capacidade de se superar (como eu). Por isso, dificilmente veremos o seu choro: ele sabe como poucos a sensação de ter que se provar a todo momento.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Cabo de guerra

Paralisação em universidade pública nunca foi novidade. Não surpreende quem está fora do campus e muito menos quem o habitualmente frequenta para estudar, trabalhar ou arrumar uma briga qualquer com alguma entidade burocrática malévola.

O ano de 2007 foi um dos períodos da história da USP em que ocorreram greves. Justo o ambiente universitário, local de reflexão e pensadores, foi palco de ação irracional por parte daqueles que, não tendo uma ditadura para fazer oposição, fazem guerra onde deveria haver diálogo. Ninguém parece ter usado a cabeça ao invadir o prédio da reitoria e começar a defender a suposta autonomia da universidade. Sem questionar aqui se há ou não, de fato, autonomia, o que eles fizeram foi começar mais um problema em vez de resolver os já existentes.

Excetuando-se a questão da verba poder ser direcionada somente para pesquisas de mercado, a universidade tem sim que prestar contas ao governo. Mas quem, dentre os manifestantes, está realmente preocupado com as pesquisas? Talvez o processo de R$346 mil nas costas do DCE e do Sintusp, além da demissão do enfático organizador de manifestações, Claudionor Brandão, estejam falando mais alto. E são dois pontos fortes capazes de fazer o tempo fechar ainda mais.

O ano passado foi a prova de que a reitoria, também nada inocente no caminhar da greve, não está disposta a cumprir acordos. Ao contrário do que parece, surge com novas imposições e dificulta ainda mais a chegada de um denominador comum. E o Sintusp também não abre mão de nada. Os dois tomaram medidas erradas e correm em direções opostas.

Até que chegamos em 2009, ano com dois feriados em meio à definitiva paralisação. É como se a semana santa e o dia de Tiradentes estivessem dizendo “é um tempo para vocês pensarem melhor no que estão causando!”. E tomara quem pensem mesmo, porque no final das contas alguém vai ter que ceder e a Universidade vai ter que voltar ao seu ritmo usual de burocracia e funcionamento.

domingo, 10 de maio de 2009

Simplesmente Conhecidos

As pessoas do nosso cotidiano estão dispostas em grupos. O grupo da família, dos amigos, grupos de uma pessoa só ou de várias. Nenhum deles, no entanto, será tão grande, plural, instigante e comprometedor quanto o indefinido grupo dos "conhecidos". Nele se encontra os "bons conhecidos" (amigos em potencial, pessoas interessantes em geral, ex-namorados pacíficos), os "maus conhecidos" (desafetos do passado, pessoas desagradáveis, ex-namorados belicosos), e os... "simplesmente conhecidos". Não poderia haver subcategoria pior por sua indeterminação.

Tentemos, no entanto, determiná-los. Os "simplesmente conhecidos" são pessoas das quais você não se lembra da existência até que seus caminhos se cruzem e ambos não saibam direito o que fazer. Um aceno de leve ou beijinho de bochecha? Esse é o menor dos dilemas, se ambos seguem imediatamente os seus respectivos caminhos. Mas não será o único, já que o instinto de socialização de algum dos dois vai prevalecer e essa pessoa vai perguntar "E aí?" em uma situação em que a única resposta é "E aí nada, cara". Resposta nunca dita, lógico. Sempre é mais fácil enredar-se num assunto suicida, como "o céu tá feio!" e arranjar logo uma coisa urgente pra fazer.

Claro que estou falando de situações implicitamente convencionadas. Mas eu, particularmente, não gosto de convenções. O que me leva à minha constrangedora história de dois "simplesmente conhecidos" (categoria que, freqüentemente, engloba ex-namorados de suas amigas) que prefeririam fazer qualquer outra coisa que não a simplesmente conhecida conversa bamba de conhecidos.

Estava voltando para casa, de pé no ônibus, cansada de mais um dia de faculdade e tentando aplacar isso ouvindo música no último volume. Minha infalível visão periférica feminina intercepta a existência de um "simplesmente conhecido", mas não qualquer um: o que pegará dois ônibus com você, pois mora próximo à sua casa. Uma hora e meia de puro constrangimento e boletim meteorológico. Nunca, jamais! É hora de fazer a coisa mais simples a ser feita: se ele não viu que você o viu, mantenha seu olhar em um campo que exclua o indivíduo e torça pra ele não vir falar com você. Dito e feito. Ele não veio falar comigo. Que isso dure pelo menos durante o primeiro ônibus.

Minha infalível visão periférica, então, repara que o campo de visão do sujeito também está meio... restrito. Voilà! "Ele está usando meus métodos!", pensei, sentindo-me aliviada pela incrível sintonia que havia encontrado com meu "simplesmente conhecido". Ele também não queria ser perturbado. Estava óbvio. Ficou mais óbvio ainda quando, ao descermos do ônibus (lado a lado, cada qual restringindo estupidamente seu próprio campo de visão), ele disparou com passo apertado ao outro ponto de ônibus. Para retribuir a bondade, comecei a passear tranquilamente ao destino comum, sem medo de perder o ônibus ("Tomara que eu perca o ônibus!").

No meio do caminho, contudo, percebo que meu amigo da arte de ignorar para, dá uma rápida olhadinha pra trás (na minha direção) e desiste de andar velozmente. Por certo, deve ter percebido que eu iria, de fato, para o mesmo lugar que ele. Ou que o ônibus não estava na iminência de passar e, portanto, não deveria apressar-se para não perdê-lo. Preferi acreditar na primeira possibilidade, que tanto aproximava-me em intenções do meu conhecido. Essa possibilidade dava-me coragem de ser sincera e falar "Oi, você sabe que nossas conversas são dispensáveis, estou cansada e quero só ouvir minha música".

Quando cheguei ao ponto de ônibus, nossos dois sorrisinhos constrangidos e cansados encontraram-se. Estava sentindo-me uma salvadora da pátria ao proferir aquelas palavras odiosas, mas que encaixavam-se nesse jogo pré-estabelecido. Na minha cabeça. Sim, pois a cara que ele fez não foi de alívio. Foi de alguma coisa negativa que não saberia dizer. Talvez estivesse ofendido. Com certeza estava ofendido, como pude dizer coisas tão estúpidas?! Senti um pouco de raiva de mim mesma, mas depois raiva dele. Eu sei que ele não estaria mais feliz com a nossa conversa sobre a comida do bandejão. Vaidoso.

Estava tudo péssimo. Mas estava tudo ótimo. Agora ele configurava a lista dos "maus conhecidos". Sabe, aqueles? Aqueles desafetos do passado, pessoas desagradáveis, ex-namorados belicosos, ex-namorados de amigas que aparentemente não querem conversa com você mas ficam ofendidos quando você manifesta que prefere ficar calada. Aqueles. Aqueles que, assim como os "simplesmente conhecidos", me fazem aumentar o som e esquecê-los em três... Dois... Um.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O que é que o futebol tem?

“Qual a graça de ver um bando de homens correndo atrás de uma bola?”. A questão levantada geralmente por aqueles que não apreciam o futebol pode até ter um fundinho de verdade. O que tanta gente encontra de interessante em 22 homens correndo atrás de uma bola (e um correndo atrás dos 22), a fim de colocá-la em um retângulo todo amarrado com barbantes? Seria simples a imbecilidade do esporte. Mas não é.


Ele é muito mais que isso. Mais que um jogo, que um esporte. É difícil, diria até impossível, achar algum ramo da vida moderna que não possa ser relacionado com o futebol. Guerra? Antropologia? Economia? Medicina? Culinária? Humor? Por maior que seja a diversidade de temáticas que permeiam a vida humana, pelo menos uma influência, mesmo que em tempos remotos, o futebol exerceu. O mundo é vasto, mas não se esqueça, ele também é uma bola.


E por mais que povos, intelectuais e fidalgos o rejeitem, não tem jeito. O esporte bretão é o mais amado e o que mais provoca amores. Aliás, esporte bretão não, universal. Por mais que os filhos da rainha afirmem a paternidade do futebol por ter organizado regras, todos os cantos do planeta têm seus genes registrados no DNA da bola. Ancestrais chineses, medievais italianos, artistas brasileiros e até mesmo aqueles norte-americanos que carregam bolas ovais com as mãos têm seu espaço na árvore genealógica futebolística.


Qual seria então o elixir do futebol? Qual sua fórmula secreta? Não há. A simplicidade é o que faz o futebol. E numa tentativa de explicar a paixão que provoca, o único motivo que pode se tornar plausível é a sua capacidade de apaixonar. O futebol hipnotiza multidões. Leva pessoas das mais diferentes características a se transfigurarem por conta de um lance. Até um mafioso choraria após uma derrota de seu time. Mesmo um monge tibetano perderia a paciência quando o seu centroavante perdesse aquele gol feito. O maior pessimista do mundo ainda conseguiria enxergar a esperança em uma vitória suada.


E essas pessoas, com reações tão particulares em seus gestos de alegria e angústia, são capazes de se transformar em um único gigante. Um outro jogador mais imprescindível que Pelé, mais espetacular que Maradona e que tem como traço mais marcante a garra e a energia. Camisa 12 eterno, a torcida é sem igual, o atacante mais efetivo da equipe, o marcador mais implacável.


Além de tudo, a torcida é musa inspiradora de todos os jogadores, de craques mundiais a peladeiros da várzea. Quem nunca sonhou em ter seu nome gritado por milhares de fanáticos, balançando as redes em uma final de campeonato? A magia da aclamação é o mecenas da arte do futebol. O drible que deslumbra, o passe milimétrico, o gol impossível. A beleza dos lances em campo se inicia na imaginação dos torcedores e se concretiza nos pés daqueles que se tornam oferenda para agradar os deuses situados na arquibancada. Como recompensa, a glória.


Afinal, o que há mesmo de interessante nos 22 homens que se cansam atrás de uma bola? Nada. A graça está no que algo tão simples e insignificante consegue provocar. Constrói culturas, influencia pensamentos. Fato instigante que fascina, a partir os pés dos jogadores, o coração dos torcedores.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Metalinguagem desconcertada


“Uma peça dentro de uma peça”, afirmava o programa do espetáculo A Noite mais fria do ano. “Falamos do fazer teatral”, dizia o texto do autor e diretor Marcelo Rubens Paiva. Para falar de um tema como esse é preciso um trato especial. É necessário cuidado, muito cuidado, ao lidar com ele. Mais importante, é fundamental a experiência com e no teatro, seja assistindo, seja fazendo. Foi o que aparentou faltar a Paiva em sua primeira direção.


Chega-se à sala do SESC Paulista levado pelo som de ondas do mar e em meio a uma névoa de gelo seco. No palco um banco, um par de sapatos, um quiosque e um lençol branco (representando a areia, claro). No telão pintado, a lua e as ondas do mar. Nesse cenário, Caio (Mario Bortolotto) confessa a Renato (Alex Gruli) que tinha um caso com a mulher dele. Chefe e subordinado respectivamente, eles se enfrentam em um diálogo oscilante tanto nas representações incompatíveis dos atores como no clima da cena, hora engraçada, hora dramática.


Após o fim do "ato", com a morte da mulher disputada, os atores vão à frente do palco e agradecem, como se a peça estivesse acabado. Apesar do aviso no programa (“uma peça dentro da peça”), o público cai na pegadinha, aplaude de pé, e se surpreende quando Dan (Hugo Possolo), o “diretor” da primeira peça, começa a explicar a cena. A partir daí, começa a "segunda peça", em que ele conta sobre sua vida com Carol (Paula Cohen), sua atriz, seu amor e sua obsessão.

Quando ela apanha do marido, Dan vai ajudá-la, mesmo tendo sido trocado por outro (“e pobre, ainda!”). Tem início então uma longa discussão sobre o relacionamento dos dois, que evidencia o amor que ainda não morreu, e as frustrações de uma relação inacabada, complexa. Parece que para entender-se melhor, Carol resolve fazer uma peça sobre o conflito dos dois, recontando o que a platéia tinha acabado de ver. Em meio a essas situações não faltam piadas que tratam do “fazer teatral”. As emissoras de TV, os cursos de teatro e o meio como um todo tornam-se alvos. Nem a Praça Roosevelt, onde os atores em cena ficaram conhecidos por suas “peças alternativas”, foi poupada. Chega a ser desrespeitoso o modo como o teatro é tratado.


O problema é que as críticas dirigidas às entidades cabem muito bem se voltadas a esse espetáculo. Se a idéia fosse a autocrítica, a idéia seria válida, mas não foi o que pareceu. Os personagens/atores se põem em posição de isolamento e superioridade sobre a mediocridade do entretenimento no Brasil. Apesar disso, fazem de tudo para o público rir de qualquer jeito, tornando-se parte dessa cultura de massa tão criticada.


Há algo na peça que faz com que ela não se desenvolva. Parece que os diálogos são redundantes, que as cenas não saem do lugar, permaneçam girando em falso. Talvez isso se deva à falta de coesão entre os atores. Cada um fazia a sua parte independente do outro, como se estivessem fechados em si. Tinha-se até uma impressão de descaso com o que estava sendo apresentado. Com exceção de Hugo Possolo, que se mostrou mais constante e conectado ao espetáculo, os outros três atores pareciam estar fora dali.


Pode ser que o erro de Paiva tenha sido tentar inovar de mais. Desde 525 linhas, sua primeira peça, o autor tem se destacado como bom dramaturgo em peças realistas e classicamente estruturadas. Em A noite mais fria ele tenta quebrar com isso. É um ato corajoso, mas resulta em um espetáculo raso, que não convence. O diretor estreante parece oscilar entre o realismo e o experimentalismo, entre o diálogo profundo e a piada medíocre. É como se quisesse inovar, mas estivesse ainda atado a concepções e estereótipos dos quais não conseguiu se livrar.


Apesar de tudo, a peça deve agradar de algum modo, pois esteve esgotada por toda a temporada no SESC Paulista e vai reestrear no Espaço Parlapatões. Saindo do teatro, ouvi comentários do tipo: “que peça maravilhosa”, e “diferente, né? Foi uma das melhores que eu já vi”. É sinal de que não pensamos todos iguais. Mas gostaria de saber o que Antunes Filho achou da obra de seu pupilo.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A fragmentação da memória em "Nós que aqui estamos, por vós esperamos"

Crimes, guerras, desastres naturais, a destruição ambiental. A pequenez do homem diante da inevitabilidade da morte sempre despertou temores em todos nós e serviu de tema para inúmeros filmes. O mais recente deles, Presságio (com Nicolas Cage e direção de Alex Proyas), mostra o fim do mundo causado por uma onda de calor que vem do sol, e cujos efeitos sobre a Terra são catastróficos e inevitáveis.

No entanto, parece mais sensato - e urgente - pensar que o fim da humanidade possa ser causado pelos próprios homens; pelo menos, até agora, nossos maiores problemas têm causa em nossas próprias ações. Basta olhar para trás e pensar em nossa história marcada por guerras e milhões de mortos. Nesse ponto da discussão é que se insere o documentário brasileiro Nós que aqui estamos, por vós esperamos. A obra, dez anos após seu lançamento, continua atual. Talvez o cerne de nossos problemas seja justamente a banalização da morte e a desvalorização da vida, que retira o sentido de todas as coisas humanas; talvez, também, precisemos atribuir maior importância ao inconsciente de Freud para compreender nossa própria realidade. Seja lá como for, essas são questões discutidas com beleza e sensibildiade em Nós que aqui estamos, por vós esperamos.

Com um orçamento de 140.000 reais (dos quais, mais da metade foi gasta em pagamentos de direitos autorais) e mais de 2.000 horas de edição, foi lançado em 1998 o documentário brasileiro Nós que aqui estamos, por vós esperamos. Dirigido por Marcelo Masagão e baseado no livro A era dos extremos, do historiador inglês Eric Hobsbawm, a obra mostra os contrastes e as controvérias do período delimitado – e profundamente marcado – pelas duas grandes guerras mundiais: o “breve século XX”.

O financiamento para viabilizar o documentário veio de uma bolsa concedida a Masagão pela Fundação MacArthur, três anos antes da realização da obra. Produzido a partir de imagens verídicas do século XX, localizadas em acervos de várias partes do mundo, Nós que aqui estamos, por vós esperamos contou com um processo de edição bastante peculiar. As inúmeras imagens ficam justapostas, sem que haja locução ou depoimentos. O costura das cenas fica por conta da música melancólica e penetrante de Wim Mertens.

O documentário questiona a tradicional separação entre documental e ficcional e constróe-se sobre uma estrutura narrativa nada convencional. Isso porque, na obra, o diretor cria o fio narrativo a partir de recortes biográficos – reais, mas também, ficcionais – de pequenos e grandes personagens, a partir dos quais é possível contar a história do século XX. Como filme-memória, Nós que aqui estamos, por vós esperamos realmente mergulha fundo na fragmentação da memória humana. Além disso, Masagão pretende discutir a banalização da morte e, consequentemente, da vida durante o período retratado. Tanto é assim que a imagem que encerra o documentário (a única captada pelo diretor) mostra o pórtico de cemitério localizado na cidade de Paraibuna, no interior de São Paulo. No pórtico, lê-se a enigmática e profética frase “nós que aqui estamos, por vós esperamos”, que dá nome ao filme.

Narrativa não convencional

Nós que aqui estamos, por vós esperamos apresenta uma estrutura bastante atípica em relação à grande maioria dos documentários. Para começo de conversa, o filme de Marcelo Masagão não possui locutor ou depoimentos. A narrativa, assim, é toda composta por imagens – muitas vezes desconexas -, acompanhadas de breves legendas. A unidade do filme é dada pela música de Win Mertens. Marcelo Masagão (no site oficial do filme) justifica assim essa escolha: “Colocando só música, ruídos e silêncios, procurei não tapar o buraco do desconhecido, do não dito, do não que talvez seja o sim, ou, quem sabe, o talvez.”

As fotografias que se sucedem na tela não respeitam uma lógica de ordenação cronológica, espacial ou temática, de modo que elementos e personalidades distintos aparecem, por vezes, simultaneamente. Essa organização do filme (basicamente, por justaposição de imagens), que dispensa recursos de ancoragem no real, produz uma narrativa fragmentada, não-linear, que deixa aberto o campo de subjetividades diversas.

Assim, Nós que aqui estamos, por vós esperamos se compõe de uma sucessão não-linear de imagens verídicas. Tais imagens são evidências documentais e remetem a uma verdade objetiva. Personalidades e acontecimentos conhecidos dividem a cena com outros anônimos, funcionando como pontuações (esparsas e imprecisas) de tempo, lugar e contexto. Entretanto, cada personagem e fato anônimo registrado nas fotografias recebe, no filme, uma existência ficcional. Todos aqueles rostos desconhecidos recebem (nas legendas) caracterizações como nome ou profissão, de modo a lhes conferir uma identidade compatível com as evidências reveladas pela foto. Logo, evidências documentais relacionam-se intimamente com recursos ficcionais. Duas formas de verdade atravessam o filme de Marcelo Masagão: uma verdade histórica, invocada pelas evidências documentais, e uma verdade narrativa, construída pelos próprios recursos sobre os quais se estrutura a narrativa do documentário.

Nesse sentido, Nós que aqui estamos, por vós esperamos representa um questionamento da tradicional oposição entre documentário e ficção. Ele costura elementos ficcionais a recursos documentais, e daí extrai seu valor. Nas palavras de Rosana de Lima Soares ([N]as bordas do cinema: o fator fake em Nós que aqui estamos, por vós esperamos), o documentário de Marcelo Masagão pode ser definido como “uma retomada fake do cinema-verdade e dos documentários”. Ainda segundo ela: “Mais do que oscilar entre uma postura mais subjetivista ou mais objetivista, Masagão problematiza a própria dicotomia tradicionalmente estabelecida entre sujeito e objeto, definindo seu longa-metragem como um filme-memória.”

A banalização da morte

“Resolvi discutir um dos fatos que mais me chamam a atenção neste final de século, isto é a banalização da morte e, por correspondência direta, a banalização da vida” é o que afirma Marcelo Masagão em relação aos seus objetivos para produzir Nós que aqui estamos, por vós esperamos.

A imagem que encerra o documentário – o pórtico de cemitério filmado no interior de São Paulo com a inscrição “Nós que aqui estamos, por vós esperamos” – demonstra a fragilidade da vida humana, sujeita à morte inerente à existência de todos. Os mortos do século XX esperam por nós que, fatalmente, encontraremos nosso destino final. A incrição sugere, também, a transição temporal entre passado e futuro.

Nesse sentido, a criação ficcional que cada personagem anônimo recebe consiste em um apelo à sensibilidade do público. Quando aquelas pessoas presentes nas fotos são recriadas, segundo uma nova identidade, intensifica-se a idéia da fragilidade da vida humana frente à banalização da morte. Uma vez que cada uma daquelas identidades é fictícia e, mesmo assim, soa extremamente coerente e possível de ser real, fica evidente que qualquer um poderia estar no lugar de cada uma daquelas pessoas e, portanto, suscetível a toda a barbárie do século passado.

A esse respeito, Marcelo Masagão acredita que “na morte, não interessa o milhar, mas a unidade-próxima. Ouvir notícias de milhares de mortos na Guerra da Bósnia, na fome africana ou no desastre de avião, parece sonorizar pouco e só acaba tendo dimensão real se o morto em alguma dessas catástrofes for meu parente ou amigo”.

O papel da memória

A narrativa fragmentada, turbulenta e não-linear de Nós que aqui estamos, por vós esperamos parece invocar a desordem dos sonhos e da memória. As ligações desconexas de imagens suscitam a fragmentação do sujeito e a ação de seu inconsciente. Aliás, a referência a Freud aparece já na primeira frase do filme: “O historiador é o rei; Freud a rainha”.

É como se o documentário nos dissesse que a História se perde e se constrói nos vãos nebulosos da memória e do esquecimento, e que a ação do ser humano só se explica de forma plena em função de seu inconsciente. O historiador representa a imagem do rei, responsável por toda a ordenação dentro de seu reino, que é a História. Entretanto, assim como a própria História comprova, a ação do rei não pode ser compreendida sem que se leve em conta as posições de sua esposa. A rainha pressiona o rei, assim como o historiador precisa considerar a influência do inconsciente sobre os homens para poder entender a História.

A própria cena de abertura do filme, em que imagens e palavras vão aparecendo sob nuvens e névoa, reforça a ideia de que a obra toda parece surgir dos abismos da memória. É o que diz Nicolau Sevcenko: “Com base na história e na psicanálise, Marcelo Masagão compôs um complexo mosaico de memórias do século XX. Seu recurso à justaposição de imagens e seqüências fragmentadas, ao invés de uma narrativa contínua e linear, capturou o âmago mesmo desse tempo turbulento.”

Desse modo, Nós que aqui estamos, por vós esperamos traz a idéia de que toda a realidade é “narrativa”. As ficcionalizações dos pequenos personagens, a noção da construção da História segundo mecanismos inconscientes e fragmentados de memória e esquecimento, a própria construção do ser humano (que na realidade, não é sujeito total de si, mas manifestações de seu inconsciente) – tudo colabora para a construção narrativa da realidade, em que elementos factuais confundem-se a outros ficcionais.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

A revolução de Final Fantasy XII nos RPGs

Muitos dos fãs de RPG de video-games torceram o nariz quando ouviram falar das novidades que seriam implantadas em Final Fantasy XII, da Square-Enix. No entanto, a produtora mostrou que não está disposta a brincar com uma das suas franquias de maior sucesso e provou que sabe inovar com as mecânicas inseridas no jogo. Contando também com gráficos primorosos e com uma história envolvente, o novo capítulo de uma das mais extensas séries dos games promete ficar para a história do Playstation 2.

Fugindo completamente de tudo que se conhecia nos jogos de RPG, a Square-Enix investiu em um sistema de batalhas que mistura elementos dos jogos clássicos do gênero, com batalhas em turno, e dos action-rpgs, em que as ações são feitas instantaneamente. Funciona assim: ao apertar o botão de ação durante as batalhas (que acontecem ao se encontrar monstros andando pelo jogo), surge um menu de onde os jogadores podem escolher que ações tomar e seus alvos. Após isso, uma barra se encherá, indicando o tempo que levará para cada personagem realizar sua ação, permitindo que o jogador se posicione da melhor forma. Isso permite verdadeiras emboscadas, coisa inédita para os fãs do gênero.

Além do sistema inovador, o jogo também conta com os gráficos estupendos que são marca da franquia há anos. A parte jogável em si conta com texturas e efeitos surpreendentes, mas o que é realmente de cair o queixo são as animações, cuja qualidade chega a se comparar à de filmes em computação gráfica que vemos nos cinemas, como A Lenda de Beowulf.

O som também não deixa barato e se faz notar em todo o jogo.Com temas muito bem elaborados, as músicas embalam a aventura e aproximam ainda mais o jogador do espírito do mundo em que ele se encontra. Outro ponto interessante são os diálogos dublados em inglês, que fazem parte de vários pontos na história.

O enredo se passa em meio a uma grande guerra entre dois impérios, na qual um pequeno reino é conquistado por um deles, cabendo aos heróis tentar restaurá-lo e devolvê-lo aos seus legítimos donos. O mundo do jogo é muito vasto e a quantidade de coisas que se pode fazer é tanta que promete tomar meses até mesmo do mais dedicado jogador. Deve-se destacar o sistema opcional de caça a monstros específicos, que proporciona um desafio interessante para os fãs mais ousados.

Somando todos os pontos, podemos ver que a Square-Enix se superou novamente com mais um jogo digno de ser lembrado. Os fãs mais conservadores podem até mesmo se assustar com as mudanças no começo, mas é impossível não se render ao charme e à fluidez do jogo. Uma ótima pedida para quem quer se divertir com o bom jogo sem ter que gastar fortunas com consoles de nova geração.

 
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