terça-feira, 5 de maio de 2009

Metalinguagem desconcertada


“Uma peça dentro de uma peça”, afirmava o programa do espetáculo A Noite mais fria do ano. “Falamos do fazer teatral”, dizia o texto do autor e diretor Marcelo Rubens Paiva. Para falar de um tema como esse é preciso um trato especial. É necessário cuidado, muito cuidado, ao lidar com ele. Mais importante, é fundamental a experiência com e no teatro, seja assistindo, seja fazendo. Foi o que aparentou faltar a Paiva em sua primeira direção.


Chega-se à sala do SESC Paulista levado pelo som de ondas do mar e em meio a uma névoa de gelo seco. No palco um banco, um par de sapatos, um quiosque e um lençol branco (representando a areia, claro). No telão pintado, a lua e as ondas do mar. Nesse cenário, Caio (Mario Bortolotto) confessa a Renato (Alex Gruli) que tinha um caso com a mulher dele. Chefe e subordinado respectivamente, eles se enfrentam em um diálogo oscilante tanto nas representações incompatíveis dos atores como no clima da cena, hora engraçada, hora dramática.


Após o fim do "ato", com a morte da mulher disputada, os atores vão à frente do palco e agradecem, como se a peça estivesse acabado. Apesar do aviso no programa (“uma peça dentro da peça”), o público cai na pegadinha, aplaude de pé, e se surpreende quando Dan (Hugo Possolo), o “diretor” da primeira peça, começa a explicar a cena. A partir daí, começa a "segunda peça", em que ele conta sobre sua vida com Carol (Paula Cohen), sua atriz, seu amor e sua obsessão.

Quando ela apanha do marido, Dan vai ajudá-la, mesmo tendo sido trocado por outro (“e pobre, ainda!”). Tem início então uma longa discussão sobre o relacionamento dos dois, que evidencia o amor que ainda não morreu, e as frustrações de uma relação inacabada, complexa. Parece que para entender-se melhor, Carol resolve fazer uma peça sobre o conflito dos dois, recontando o que a platéia tinha acabado de ver. Em meio a essas situações não faltam piadas que tratam do “fazer teatral”. As emissoras de TV, os cursos de teatro e o meio como um todo tornam-se alvos. Nem a Praça Roosevelt, onde os atores em cena ficaram conhecidos por suas “peças alternativas”, foi poupada. Chega a ser desrespeitoso o modo como o teatro é tratado.


O problema é que as críticas dirigidas às entidades cabem muito bem se voltadas a esse espetáculo. Se a idéia fosse a autocrítica, a idéia seria válida, mas não foi o que pareceu. Os personagens/atores se põem em posição de isolamento e superioridade sobre a mediocridade do entretenimento no Brasil. Apesar disso, fazem de tudo para o público rir de qualquer jeito, tornando-se parte dessa cultura de massa tão criticada.


Há algo na peça que faz com que ela não se desenvolva. Parece que os diálogos são redundantes, que as cenas não saem do lugar, permaneçam girando em falso. Talvez isso se deva à falta de coesão entre os atores. Cada um fazia a sua parte independente do outro, como se estivessem fechados em si. Tinha-se até uma impressão de descaso com o que estava sendo apresentado. Com exceção de Hugo Possolo, que se mostrou mais constante e conectado ao espetáculo, os outros três atores pareciam estar fora dali.


Pode ser que o erro de Paiva tenha sido tentar inovar de mais. Desde 525 linhas, sua primeira peça, o autor tem se destacado como bom dramaturgo em peças realistas e classicamente estruturadas. Em A noite mais fria ele tenta quebrar com isso. É um ato corajoso, mas resulta em um espetáculo raso, que não convence. O diretor estreante parece oscilar entre o realismo e o experimentalismo, entre o diálogo profundo e a piada medíocre. É como se quisesse inovar, mas estivesse ainda atado a concepções e estereótipos dos quais não conseguiu se livrar.


Apesar de tudo, a peça deve agradar de algum modo, pois esteve esgotada por toda a temporada no SESC Paulista e vai reestrear no Espaço Parlapatões. Saindo do teatro, ouvi comentários do tipo: “que peça maravilhosa”, e “diferente, né? Foi uma das melhores que eu já vi”. É sinal de que não pensamos todos iguais. Mas gostaria de saber o que Antunes Filho achou da obra de seu pupilo.

3 comentários:

  1. Muito bem escrito, conteúdo adequado e com ótima carga informativa.

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  2. Ju, sua percepção parece fantástica, embora eu não tenha visto a peça. Passa credibilidade. Também achei o texto muito informativo, coeso, bem estruturado e reflexivo.
    Só senti falta de uma coisa: em vez de citar as piadas e dizer que elas podem se aplicar à própria peça, seria legal partir de um exemplo concreto. Ficaria mais convincente ainda, acho.

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  3. Então Pri, fiquei com medo de estragar para quem não tivesse assitido ainda. Mas concordo, ficaria mais ilustrativo... Valeu pela dica! Na próxima crítica farei isso.
    Beijo

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