segunda-feira, 25 de maio de 2009

Com base nas minhas visitas constantes à cidade do Farol da Barra, há tempos sentia vontade de escrever algo sobre a singular produção local das tevês de Salvador. Sempre fiquei abismada com os programas que são líderes de audiência lá. Bom, recomendo ver alguns vídeos antes de ler o texto – ou depois, se você não tiver tanto estômago. Eles estão linkados depois do texto.

O sistema é bruto

Desde o começo do ano, desenvolveu-se uma sucessão de ações entre o Ministério Público da Bahia, que decidiu finalmente tomar providências sobre o conteúdo de um programa policial veiculado na hora do almoço, o ‘Na Mira’. A atração, veiculada pela TV Aratu – afiliada do SBT em Salvador, envolve uma hora de matérias sobre os acontecimentos policiais na metrópole, cujo tom vai muito além do mau gosto do ‘Cidade Alerta’. Como se não bastasse, veicula imagens de violência física, sexual e mental em plena luz do dia – falha que justificou o pedido da Justiça para tira-la do ar.

Como já era de se esperar, em abril último a Justiça decidiu por manter o programa com algumas modificações. Entenda-se por modificações o uso de mosaicos no rosto de pessoas envolvidas nos crimes. Sanções pequenas perto das consequências trazidas pelo conteúdo da atração. Sabe-se porque há um grande interesse em manter atrações desse gênero. Vamos aos fatos então. Em Salvador, há cerca de quatro noticiários policiais, produzidos como programas locais pelas regionais das TVs abertas. Em todos os casos, há uma profunda confusão entre realidade e espetáculo. São mostradas sem pudor tomadas de 5 minutos que vão de batidas policiais a - pasmem – prisão em flagrante no motel.

Sem contar com um gênero de repórter proliferado por eles: os de porta-de-cadeia. Os bravos ‘paladinos da verdade’ que visitam delegacias e enfiam a câmera na cara do primeiro suspeito que aparece para ser detido. As perguntas são sempre as mesmas – “Por que você cometeu esse crime? Por que matou fulano? Como essa droga foi parar na sua casa?”. A partir desse momento, o detido torna-se o suspeito número um. E segundo o argumento desses repórteres, eles estão ali para darem o ‘direito de esses cidadãos se defenderem das acusações’.

O caro leitor que não conhece ou nunca tinha ouvido a respeito dos programas ‘caçadores de presunto’ pode estar imaginando que estes são atrações de apelo extremamente popular. Sim – e não. Surpreendentemente, as camadas mais baixas da população vêem nesses programas um canal de comunicação com o resto do mundo que parece ignorá-los. E não, porque as camadas médias da população – mesmo aquelas que têm acesso a outras opções de informação – dão audiência aos programas e muito, mas muito reconhecimento aos apresentadores. Some a isso a cúpula de marajás que controla as TVs afiliadas na cidade, que não têm interesse nenhum em proporcionar meios de melhora da preparação cultural dos populares. Pronto, aí está o melhor retrato da desigualdade e estagnação social da capital mais racista do país.

A temática dessas atrações – vamos dar nomes aos bois: ‘Na Mira’, ‘Se Liga Bocão’, ‘Balanço Geral’ e ‘Que Venha o Povo’ – amplia ainda mais a sensação de insegurança que amedronta os cidadãos da Grande Salvador. As estatísticas de violência não podem negar o aumento assustador da criminalidade na região. Entretanto, os cenários das reportagens dificilmente saem da região da periferia e do centro velho de Salvador. O que contribui para o processo cada vez mais grave de segregação da cidade. Parecido com o processo que se deu na formação da cidade.
Mas agora, ao invés de Cidade Alta e Cidade Baixa, aparecem os guetos e os novos centros. A classe média e a elite ascendente veem graça no modo escrachado como os apresentadores recortam as mazelas sociais, mas sentem cada vez mais a obrigação de se afastar do perigo que mora nos guetos, nos ônibus, nas favelas, segura as cordas dos blocos carnavalescos milionários...

E o formato da edição dos programas ratifica ainda mais essa situação. No programa ‘Na Mira”, por exemplo, existe uma vinheta com um homem gritando “Socorro, eu não quero morrer!” a cada vez que aparece uma cena de violência em um lugar na linha de fogo. E os conceituados apresentadores – nomes pomposos como Raimundo Varela, Uziel Bueno e José Eduardo – fazem questão de fazer o julgamento do caráter dos infratores ali mesmo. E legitimam, inclusive, ações violentas da Polícia Militar (uma das mais violentas do Brasil).

“O que a gente faz com um animal desses? Tem que prender e deixar se arrepender dos pecados na cadeia! A polícia tá cumprindo o seu papel.” Conversa de velho conservador? Que nada! Afinal, os apresentadores, repórteres, especuladores, enfim, têm um espaço extremamente consolidado – e coniventes – pelo público. E podem apelar o quanto quiserem, porque o público aprova esse misto de show de realidade com ‘jornalismo’. E para quem não gostar, como diz o apresentador Uziel Bueno antes de mostrar um vídeo de mais um defunto produzido pela violência urbana, “que vá ver o programa da Xuxa, onde tudo é bonitinho.”

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para quem acha que estou exagerando (hohoho):

http://www.youtube.com/watch?v=NAamlQkWHXE
http://www.youtube.com/watch?v=JoW0B5-2nyY&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=Y5btv-VoKwc
http://www.youtube.com/watch?v=gw7KyH7-luM&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=8FuQoj0wEoY
http://www.youtube.com/watch?v=fFkXWnNzlXchttp://www.youtube.com/watch?v=TZV33Xt2Bgs&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=8FuQoj0wEoYhttp://www.youtube.com/watch?v=2uwEylpleIc

Um comentário:

  1. Vc escreveu a mesma palavra de forma diferente: "as camadas mais baixas da população vêem" e "A classe média e a elite ascendente veem". Eita, acordo ortográfico que nao me deixa dormir.

    O aposto "e coniventes" no último parágrafo não tá dando pra entender. Com que ele concorda?

    Fora isso, o tom crítico tá excelente! Além disso, é ótimo termos noção do que ocorre "longe" de São Paulo. Gostei muito!

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