terça-feira, 19 de maio de 2009

Sexo ao som de tango

Entra-se no teatro ao som de música de filme de máfia dos anos 50; e senta-se na platéia em meio à fumaça de gelo seco. Tudo isso dá ao espectador uma sensação de estar viajando no tempo, voltando a um passado agora distante, que se mostrará nada mais do que sórdido. Foi com essa impressão que sentei para assistir Viúva, porém honesta, dirigida por Eloísa Vitz.

A dramaturgia é uma das famosas peças de Nelson Rodrigues, auto referida como “uma farsa irresponsável”, e conta a história de JB de Albuquerque Guimarães, o mafioso dono do maior jornal do país. Sua filha, Ivonete, ficou viúva e, a partir de então, decidiu que nunca mais se sentaria. Como, para o pai, viuvez é questão de sexo, este recorre aos especialistas no assunto para solucionar o caso: um psicanalista, uma cocote (cafetina da época) e um otorrinolaringologista – pois ouvido, nariz e garganta tudo têm a ver com o tema. Até o diabo junta-se a essa turma de sábios, já que é impossível fazê-lo resistir ao cheiro de uma viúva.
Representar Nelson Rodrigues sempre traz inúmeras possibilidades (e dificuldades) - seja por seu humor tácito e crítico, seja pela ampla interpretação que as rubricas do texto oferecem. O grupo GATU aproveitou bem essa oportunidade: resolveram explicitar muito do que o texto deixa implícito, o que é bastante perigoso. O exagero pode levar ao desastre, mas não foi o que aconteceu aqui. Aproveitando a referência farsesca, os atores têm a liberdade para caricaturar seus personagens, e o fizeram muito bem.
Com uma preparação corporal digna de nota, mérito de Daniela Rocha Rosa, também atriz do espetáculo, as cenas são entremeadas por passos de tango e carregadas deles. Isso ajuda a dar a conotação sexual que as situações exigem. Aliás, o tempo todo o sexo está latente na peça. É como se as personagens fizessem um enorme esforço para conter-se em todos os momentos. Tipicamente rodriguiano.

Tipicamente rodriguiana é também a crítica a todas as instituições sociais: família, donos do poder, jornalistas, especialistas e, principalmente, críticos teatrais. O crítico teatral nessa peça é representado por um travesti foragido da FEBEM, definido pelo diretor do jornal como “o perfil do maior crítico teatral dos novos tempos”. É compreensível. Em 1957, ano da estréia desse espetáculo, o autor teria recebido críticas duríssimas por sua peça Perdoa-me por me traíres, e resolveu dar o troco.
Na montagem do grupo GATU, o que incomoda é uma interação com a platéia que destoa do restante da peça. É como se incluíssem os espectadores em todas as situações embaraçosas. Isso tira a concentração do que estava ocorrendo anteriormente, descredibiliza tudo o que havia sido falado. Na tentativa de fazer rir a qualquer preço, fazem piadinhas com a platéia que acabam tendo o efeito inverso: a gente até ri, mas não sabe se é da piada ou do esforço para que ela funcione.
Detalhes a parte, é uma ótima adaptação de um clássico do teatro brasileiro, o que por si só já é bastante válido.

3 comentários:

 
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